quarta-feira, 2 de março de 2011

Carta aberta de um torcedor brasileiro à TV Globo

À direção das Organizações Globo:

Sou Marcelo Freire, 26 anos, jornalista e corintiano. Posso ser considerado um torcedor brasileiro, daqueles que foram citados nesta quarta-feira (2/3) em um comunicado da Rede Globo. Esse texto explica, “em respeito ao torcedor”, os argumentos da emissora no imbróglio desta com o Clube dos 13 pelos direitos de transmissão referentes às edições de 2012, 2013 e 2014 do Campeonato Brasileiro de futebol.

Primeiro, agradeço que a emissora cite o torcedor brasileiro como “parte mais importante do Projeto Futebol”, como diz o último parágrafo do texto. Mas observo que, no restante do comunicado, nada mais me diz respeito.

Sinceramente, o fato de os clubes terem aumentando sua receita por causa do acordo anterior com a emissora, as condições do Clube dos 13 “que não atendem aos formatos de exposição do conteúdo” da Globo e “a desestruturação de um projeto complexo” por conta desse novo formato de concorrência estão completamente fora do meu leque de preocupações. Talvez tenham relevância para o Marcelo jornalista, mas não para o Marcelo torcedor.

E vocês sabem por quê? Porque para mim e para todos os torcedores com quem converso - o que me faz acreditar que uma boa parcela dos torcedores pensa assim -, o que incomoda é o maldito horário futebolístico inventado por vocês há alguns anos: 22h, às quartas e quintas-feiras.

Não sou um frequentador assíduo dos estádios mas, eventualmente, assisto a jogos do Corinthians no Pacaembu. E digo que é péssimo voltar para casa à meia-noite por inúmeras razões, sendo que a escassez do transporte público e o fato de que geralmente acordamos cedo no dia seguinte são as principais. Esse horário prejudica bastante os torcedores, principalmente os que são da Grande São Paulo e que, às vezes, demoram mais de uma hora para voltar para suas casas. Tenho certeza de que esse problema se repete em outras cidades do país, ainda mais aquelas que não tem um sistema público de transportes tão amplo quanto São Paulo.

Ainda relativo a esse problema, não entendo por que um jogo transmitido pelo canal por assinatura Sportv na quinta-feira - às vezes, restrito ao pay-per-view -, também se sujeite a esse horário horrível, porque a partida nem atrapalhará o horário da novela (sabemos que é esse o problema!). Peço bom senso, porque é ruim para todos - até para quem está em casa e precisa acordar, por exemplo, antes das 7h. Rotina comum a milhões de brasileiros, imagino.

Outro ponto: apesar de ser corintiano, me incomoda o fato de a Globo priorizar exclusivamente a audiência e deixar um pouco de lado a transmissão de jogos importantes de outros grandes clubes. Me lembro de quando a emissora alterou um jogo entre Corinthians e Bragantino, pela Série B do Brasileiro de 2008, para que ele pudesse ser transmitido na quarta-feira. Só que, no mesmo horário, Fluminense e LDU faziam o primeiro jogo da final da Copa Libertadores e ficaram relegados, em São Paulo, ao restrito Sportv. Apesar de o Fluminense não ser paulista, aquele era um jogo de interesse muito maior para os torcedores (até mesmo para corintianos menos fanáticos) do que a “pelada” válida pela segunda divisão do Brasileiro. Muita gente reclamou.

O esporte e os torcedores, nesses episódios, foram deixados de lado em detrimento de interesses exclusivos da Rede Globo. E esses interesses, no segundo caso, me parecem até controversos: será que um Corinthians x Bragantino pela Série B tem uma audiência tão maior assim do que uma final de Libertadores envolvendo o Fluminense?

Resolvidas essas questões, desejo boa sorte à emissora no acerto com os clubes, independentemente do envolvimento ou não do Clube dos 13. Espero apenas que a negociação seja justa e siga os termos definidos pelo Cade, órgão que existe, segundo ele próprio, para evitar "abusos de poder econômico" - como uma concorrência desleal.

Afinal, não tenho nada a reclamar da qualidade técnica da transmissão da Globo (talvez de alguns comentaristas, mas fica para outra carta), então posso dizer que o desfecho me deixará satisfeito caso o torcedor seja realmente respeitado - que é justamente o que a empresa brada no seu comunicado desta quarta-feira.

Atenciosamente,
Marcelo Freire

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Memórias de uma Mente sem Lembranças *

* Colaboração minha (espero que a primeira de muitas) para o ótimo portal da Galeria do Rock - sim, a própria, do Largo Paissandu

A ótima piada que abre a autobiografia de Ozzy Osbourne (leia o livro para saber de qual se trata!) ilustra perfeitamente a personalidade dúbia e o conflito interno vivido por um homem que já chegou a todos os limites físicos e mentais que um ser humano pode atingir. Ultrapassou esses limites, na verdade - mas está vivo até hoje para contar como sobreviveu.

Lançado no ano passado, "Eu Sou Ozzy" (versão brasileira publicada pela Editora Benvirá) é a história do Madman contada por ele mesmo - na verdade, o que ele se lembra. O livro de 400 e tantas páginas é realmente fácil de ler, graças à linguagem dinâmica e às tiradas irônicas e engraçadas de Ozzy, que contou com uma óbvia ajuda para escrever a obra - no caso, o jornalista americano Chris Ayres. Por isso, e também por todo o apelo da figura do vocalista, o livro logo se tornou um dos mais vendidos nos Estados Unidos.

Apesar de ser um dos fundadores e o principal vocalista da história do Black Sabbath, Ozzy ganhou espaço na “mídia comum” por conta das bizarrices que promoveu ao longo dos lisérgicos (para ele) anos 80, principalmente após uma "inocente" mordida na cabeça de uma pomba em uma reunião organizada pela sua gravadora, em 1981. Depois, quem sofreu com os dentes do cantor foi um pobre morcego, em pleno palco. E ele logo virou o inimigo número 1 dos Estados Unidos (onde passou a morar), depois de vários episódios controversos.

No entanto, entre o fim dos anos 70 e durante toda a década de 1980, Ozzy parecia se condenar à morte com os abusos ininterruptos de álcool e drogas pesadas. Ao mesmo tempo, erguia sua carreira solo com uma nova banda (que incluía, claro, o guitarrista-prodígio Randy Rhoads, de triste destino) e deixava para trás o fantasma do Black Sabbath. Para isso, contava com o suporte da empresária e nova esposa, Sharon, de personalidade igualmente explosiva e que, tempos depois, seria vítima de uma tentativa de assassinato - ou algo perto isso - por parte do insano marido.

Essa autodestruição que muitas vezes quase terminou em tragédia é o aspecto mais interessante do livro. Mesmo disparando sua ironia ao relatar os episódios de loucura, não há como ficar impassível com tantas crises, ainda mais quando elas envolviam sua família. Além disso, ele ainda teve de lidar com a morte de Rhoads em um bizarro acidente aéreo, em 1982, que gerou uma crise em sua banda.

De sua maneira, e com algumas recaídas posteriores (também apontadas no livro), Ozzy conseguiu reerguer sua vida e sua carreira quando ninguém mais esperava. E, de repente, virou uma "referência positiva" na história do rock, observado quase sempre com simpatia e humor. No fim, a biografia ajuda a desmitificar a imagem de “velho gagá” perpetuada pelo reality show de gosto duvidoso “The Osbournes”, para o qual Ozzy olha hoje com certo desdém e arrependimento. Ele conta que seu crítico vício em remédios, à época, deturparam completamente sua imagem no programa da MTV, que também aparentemente mexeu com a cabeça de seu filho Jack - transformado em celebridade instantânea e que também acabaria lutando contra o alcoolismo.

“Eu Sou Ozzy” é um retrato pessoal, aparentemente sincero e autocrítico que o Madman faz da própria vida. E é uma experiência antropológica sobre aquele que testou os limites do ser humano e hoje agradece, em meio a piadas e risadas, por ainda poder contar a história de sua vida.

** Colaborou Adriele Marchesini