segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Memórias de uma Mente sem Lembranças *

* Colaboração minha (espero que a primeira de muitas) para o ótimo portal da Galeria do Rock - sim, a própria, do Largo Paissandu

A ótima piada que abre a autobiografia de Ozzy Osbourne (leia o livro para saber de qual se trata!) ilustra perfeitamente a personalidade dúbia e o conflito interno vivido por um homem que já chegou a todos os limites físicos e mentais que um ser humano pode atingir. Ultrapassou esses limites, na verdade - mas está vivo até hoje para contar como sobreviveu.

Lançado no ano passado, "Eu Sou Ozzy" (versão brasileira publicada pela Editora Benvirá) é a história do Madman contada por ele mesmo - na verdade, o que ele se lembra. O livro de 400 e tantas páginas é realmente fácil de ler, graças à linguagem dinâmica e às tiradas irônicas e engraçadas de Ozzy, que contou com uma óbvia ajuda para escrever a obra - no caso, o jornalista americano Chris Ayres. Por isso, e também por todo o apelo da figura do vocalista, o livro logo se tornou um dos mais vendidos nos Estados Unidos.

Apesar de ser um dos fundadores e o principal vocalista da história do Black Sabbath, Ozzy ganhou espaço na “mídia comum” por conta das bizarrices que promoveu ao longo dos lisérgicos (para ele) anos 80, principalmente após uma "inocente" mordida na cabeça de uma pomba em uma reunião organizada pela sua gravadora, em 1981. Depois, quem sofreu com os dentes do cantor foi um pobre morcego, em pleno palco. E ele logo virou o inimigo número 1 dos Estados Unidos (onde passou a morar), depois de vários episódios controversos.

No entanto, entre o fim dos anos 70 e durante toda a década de 1980, Ozzy parecia se condenar à morte com os abusos ininterruptos de álcool e drogas pesadas. Ao mesmo tempo, erguia sua carreira solo com uma nova banda (que incluía, claro, o guitarrista-prodígio Randy Rhoads, de triste destino) e deixava para trás o fantasma do Black Sabbath. Para isso, contava com o suporte da empresária e nova esposa, Sharon, de personalidade igualmente explosiva e que, tempos depois, seria vítima de uma tentativa de assassinato - ou algo perto isso - por parte do insano marido.

Essa autodestruição que muitas vezes quase terminou em tragédia é o aspecto mais interessante do livro. Mesmo disparando sua ironia ao relatar os episódios de loucura, não há como ficar impassível com tantas crises, ainda mais quando elas envolviam sua família. Além disso, ele ainda teve de lidar com a morte de Rhoads em um bizarro acidente aéreo, em 1982, que gerou uma crise em sua banda.

De sua maneira, e com algumas recaídas posteriores (também apontadas no livro), Ozzy conseguiu reerguer sua vida e sua carreira quando ninguém mais esperava. E, de repente, virou uma "referência positiva" na história do rock, observado quase sempre com simpatia e humor. No fim, a biografia ajuda a desmitificar a imagem de “velho gagá” perpetuada pelo reality show de gosto duvidoso “The Osbournes”, para o qual Ozzy olha hoje com certo desdém e arrependimento. Ele conta que seu crítico vício em remédios, à época, deturparam completamente sua imagem no programa da MTV, que também aparentemente mexeu com a cabeça de seu filho Jack - transformado em celebridade instantânea e que também acabaria lutando contra o alcoolismo.

“Eu Sou Ozzy” é um retrato pessoal, aparentemente sincero e autocrítico que o Madman faz da própria vida. E é uma experiência antropológica sobre aquele que testou os limites do ser humano e hoje agradece, em meio a piadas e risadas, por ainda poder contar a história de sua vida.

** Colaborou Adriele Marchesini