Adriano Lima/Terra
Só deu pra perceber pela luz e pelo barulho das turbinas batendo que alguma coisa acontecia no meu lado esquerdo. Olhei, ouvi o grito da Adriele, torci rápido para ele parar, ele parou. Ela ouviu o barulho de queda e avistou o jato caindo pelo barranco, enquanto eu, que estava dirigindo, só vi o impacto final. Minutos depois, liguei para o brother Denis Serio, ex-colega de R7, que estava de plantão, e ele imediatamente correu atrás das informações. Sabia que não seria necessário chamar polícia ou bombeiros, porque a equipe de Congonhas certamente já estava a caminho.
Felizmente, nada de mais grave aconteceu - aparentemente ele derrapou na pista ao tentar pousar, e três de seus cinco ocupantes tiveram ferimentos leves. O susto foi maior para eles, tenho certeza. Mas uma pergunta do Denis, mais à noite, me fez pensar: “E se ele não tivesse parado no barranco?” Bom, ele teria varado nossa cabeça, pois meu carro estava na mira, transitando por essa estranha zona de escape de Congonhas chamada Avenida dos Bandeirantes - tem uma outra tão estranha quanto, de nome 23 de Maio, ou Washington Luís, ou Rubem Berta, sei lá, no fim é tudo a mesma avenida, é o tal “Corredor Norte-Sul” de São Paulo.
Imediatamente após o impacto, veio na minha mente todos os sonhos. Inúmeros, mesmo, desde antes do acidente da TAM em Congonhas em 2007. Primeiro, o cenário era geralmente o entorno de Congonhas; depois, os ambientes começaram a variar. De maneiras e em lugares diferentes, o final era o mesmo: eu presenciava um avião caindo numa avenida, explodindo no ar, mergulhando no oceano, batendo num prédio. Nunca acontecia nada comigo, mas era sempre assustador pensar em quantas pessoas estavam perdendo a vida. Ficou tão repetitivo que eu comecei a perceber que era sonho, acordando segundos depois. Eles ficaram menos recorrentes nos últimos tempos, mas me recordo de algumas semanas atrás, quando sonhei novamente com isso e não me dei conta que era sonho. Pelo contrário, acordei um tanto atordoado.
E o mais assustador é que relatei isso nesse mesmo blog, em 9 de junho de 2009, na época da queda do AF 447, da Air France, no Oceano Atlântico. Está lá: “Antes daquele início de noite de 17 de julho de 2007 [data da queda do avião da TAM na Washington Luís], sonhei diversas vezes com a imagem de um avião caindo na 23 de Maio ou na av. Bandeirantes. Não quero posar de Nostradamus nem nada, e digo que esse pesadelo era totalmente justificável e, acredito, não tinha nenhum teor premonitório. Até onde eu sei, pelo menos.”
Apesar do que aconteceu hoje, não perderei meu tempo quebrando a cabeça para saber se esses sonhos eram premonitórios ou não, até porque nunca terei certeza. Como contei naquele texto de 2009, cresci respirando aviação, e talvez a presença daquelas aeronaves ali, subindo e descendo tão perto da gente, sempre tenha me deixado com pulgas atrás das orelhas. Um dia uma merda iria acontecer, como aconteceu em 1996, também com um avião da TAM, e de novo em 2007. E Congonhas continua lá, com suas máquinas tão fascinantes quanto assustadoras para quem mora ou passa por ali todo dia. Por mais maluco e inviável que pareça, um dos maiores aeroportos do Brasil está localizado bem no centro da maior cidade do país, com praticamente nenhuma área de segurança para os que estão em volta levando sua vida normal. E isso não deve mudar, pelo menos num futuro próximo.
Mas acho que não posso reclamar muito: graças a tudo que é bom nessa vida, o acidente de hoje não se comparou aos dos sonhos catastróficos, nem vítimas deixou. E foi interrompido justamente numa dessas “áreas de segurança” que estão ali só para constar (ou não).
Aos 44 segundos de vídeo, o Fit chumbo passa pela Bandeirantes, com o motorista que vos escreve e passageira bem assustados