segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Fórmula Punição


O mais triste em um campeonato esportivo dá as caras quando o talento e a habilidade são deixados de lado em prol do rigor na "aplicação das regras". Assim, pessoas que não estão participando da competição têm quase que o mesmo poder daqueles que vencem ou perdem partidas -ou corridas.

Já falei da chatice que são as tais "recomendações" da Fifa no futebol, repletas de interpretações dúbias, ambígüas, mal-explicadas e -o que é ainda pior- respeitadas apenas em certos países ou continentes. A discussão sobre o que vale ou não no futebol tomam mesas-redondas de qualidade duvidosa, mais preocupadas em "jogar para a torcida" de clubes grandes, além da parcela mais séria da imprensa esportiva, jogadores, árbitros e dirigentes. É um lenga-lenga sem fim e sem efeito prático.

A F-1, infelizmente, começou (ou voltou) a ser dominada por decisões estranhas de comissários, sempre "preocupados" com a "direção segura" dos pilotos, deixando velocidade e competitividade em segundo plano.

Nesses tempos, o piloto só pode tentar uma ultrapassagem se tiver 100% de certeza que vai concretizá-la. Se tiver o mínimo de dúvida, é melhor não arriscar, porque os comissários estarão olhando prontos para dar-lhe uma punição na pista.

Hoje, ou ontem no Japão, três pilotos foram punidos por seus erros. Na corrida aos pés do Monte Fuji, vencida de forma esplêndida por Fernando Alonso (o melhor piloto da categoria -vamos ver até quando, com a ascensão do Vettel), Felipe Massa, Lewis Hamilton e Sébastien Bourdais, foram prejudicados -sim, prejudicados- por comissários que se julgam donos do espetáculo -como os árbitros no futebol.

Para mim, das três punições, a única aceitável foi a de Massa, que realmente forçou a barra com Hamilton na chicane. Mas, mesmo assim, acho que foi apenas uma disputa de corrida, onde os dois erraram, forçaram demais. Massa acabou espremido pelo inglês, ficou fora do traçado, manteve o pé embaixo e o acertou depois -como acontecia em praticamente todo GP na década de 1980, e quase nunca alguém era punido.

Quanto a Hamilton, me pareceu brincadeira -ou perseguição- a punição ao inglês por fazer um monte de cagada na largada. O que ele fez para prejudicar os outros? Não ficou claro. Ele apenas errou, saiu da pista e prejudicou sua prova. Novamente, um incidente de corrida. Precisava estragar a corrida de Hamilton por causa disso? Não bastava ele mesmo jogar sua prova no lixo?

Já a punição ao Bourdais me cheirou um efeito bola-de-neve. "Bom, se já punimos o Hamilton pelas besteiras na largada e o Massa por bater no Hamilton, precisamos punir o Bourdais por atrapalhar o Massa." É isso -em busca de "coerência", é preciso punir todo mundo que cometa qualquer tipo de erro.

Hoje, Tostão escreveu em sua coluna na Folha que a "coerência é muitas vezes burra, e tem que ser ética e de princípios". Ele estava comentando sobre as escolhas de Dunga para a seleção brasileira, defendendo o poder das pessoas em mudarem de opinião. Para mim, seu raciocínio é perfeito para a F-1 de hoje.

Todos os pilotos cometem erros, e eles ficam mais visíveis quando envolvem aqueles que disputam as primeiras posições e o título. Isso é mais comum agora, quando não temos um Schumacher da vida dominando as corridas, e sim bons pilotos como Hamilton e Massa, que também são instáveis e por vezes barbeiros. Isso deveria ser encarado de forma mais natural e menos rigorosa por FIA e comissários, para que o resultado final não seja alterado toda hora em função de um incidente da corrida.

Enquanto o automobilismo envolver disputas de posição, ultrapassagens e arrojo, acidentes acontecerão, e é preciso aceitar isso.

Vale lembrar que Ayrton Senna foi campeão em 1990 tirando o Alain Prost da corrida, de propósito, em um acidente que poderia ter conseqüências piores para os dois. Um ano antes, o mesmo Senna foi desclassificado de forma estranha após um acidente com o mesmo Prost, no mesmo GP do Japão, em um episódio no qual a Fisa -braço-esportivo da FIA e que cuidava da F-1 na época- e seus comissários foram extremamente criticados por interferir demais nas decisões em Suzuka.

Em 1994, Schumacher foi campeão na Austrália depois de tirar Damon Hill da corrida, em um acidente muito polêmico -e sujo. No mesmo ano, o alemão e a Benetton travaram uma guerra com a FIA, que aplicou punições à equipe e ao piloto por conta de supostas irregularidades no carro de Schumacher e por sua conduta nas pistas. Na corrida final, no entanto, sua antidesportividade passou ilesa.

Três anos depois, o mesmo Schumacher, já na Ferrari, tentou fazer o mesmo com Jacques Villeneuve em Jerez, só que se deu mal e teve que abandonar a corrida. Foi o único prejudicado por sua bobagem e sujeira. Então, a FIA resolveu "dar o exemplo" e puniu o alemão com a perda de todos os seus pontos no campeonato. Assim, Schumacher perdeu o vice. Será que aconteceria o mesmo se ele tivesse conseguido tirar o canadense da corrida e conquistasse o título? Difícil saber.

Difícil saber porque esses comissários de prova são muito imprevisíveis. Quanto menos poder para eles, melhor.

Os campeonatos de 1989, 1990, 1994 e 1997 tiveram desfechos polêmicos porque estavam inseridos em um contexto no qual a FIA tomava atitudes baseadas em um regulamento que parecia valer uma coisa diferente a cada corrida.

Espero que a belíssima e equilibrada temporada de 2008, já manchada por conta de punições estranhas ao longo do ano (a maior delas na Bélgica, contra Hamilton), não se encerre com algum episódio semelhante envolvendo ao desses anos.

O tapetão precisa ser evitado a todo custo no esporte.

Foto: Kazuhiro Nogi, AFP

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