terça-feira, 20 de maio de 2008

Tuvucanadá: Mont-Tremblant

Já contei aqui sobre as minhas experiências rock 'n' roll do Canadá. Basicamente, os shows do Rush e do Van Halen.

Agora, relatarei um pouco sobre outras "descobertas" na terra franco-britânica, ou franco-inglesa, ou anglo-francesa, como preferir. Basicamente é uma província francesa chamada Québec, com uma forte veia separatista em relação às províncias britânicas. Os "québécois", naturais da província de Québec, já puderam decidir pela independência por duas vezes, em referendos realizados em 1980 e 1995. Mas, por uma apertada margem de votos, os quebequoenses decidiram contra a separação. Todas as outras nove províncias (e três territórios) canadenses, ressalte, são de origem britânica.

Pela forte influência da colonização francesa, Québec é o lugar mais inusitado e diferente que eu vi enquanto estive lá, nada a ver com a multicultural Toronto, que tem gente do mundo inteiro. Québec City, ou Ville du Québec, ex-capital canadense e atual capital da província, é a cidade mais charmosa que conheci. Apesar de toda essa contextualização, não falarei de Québec Cirty nesse post - deixemos para mais tarde.

Mont-Tremblant

Enquanto Montréal, principal pólo econômico da província de Québec, é uma mistura maluca entre inglês e francês, "québécois" e "canadians", Mont-Tremblant, a 130 km da cidade-sede da Olimpíada de 1976, é um município que sobrevive do inverno e das estações de esqui como atrações turísticas.

Conheci o vilarejo no final do outono, mas cheguei a pegar um dia de neve. Mais ou menos sete graus negativos. A cidade era uma graça, uma Campos do Jordão muito menor, com cerca de 8 mil habitantes. Final de outubro, Mont-Tremblant não tinha turistas e era de um marasmo previsível.



Mas o que eu queria ver mesmo (e fui para lá exclusivamente para isso) era o tal do Circuit Mont-Tremblant. Uma pista de corrida no meio da montanha? Como isso? Sediou corridas de F-1 (1968 e 1970)? Servia uma prova da finada Champ Car no ano passado?


Fui atrás. Saí de Montréal com um pessoal do albergue, pegamos o metrô até uma cidade vizinha chamada St. Jêrome (parada final de uma das linhas do metrô de Montréal) e de lá a solução era um ônibus até Mont-Tremblant. Tudo isso por CAD$ 10, em vez dos CAD$ 25 que custariam a passagem do ônibus de viagem, direto de Montréal. Demorou uma hora a mais, mas valeu a pena, até pela experiência.

Chegando lá, a primeira coisa (e praticamente a única) que eu queria fazer era conhecer aquele misterioso autódromo. Era pertinho do albergue, andei até lá e fui sacando a entrada do lugar, que mais parecia uma daquelas estradinhas de sítio no interior de São Paulo. Não dava para acreditar que, atrás de um grande lago (que congela no inverno, consta), existia uma pista de corridas.

E a primeira impressão fica mesmo pela entrada, de cascalho e terra. Se não fosse o típico cenário de inverno, parece que estamos rumo a um rodeio. Imagino um circuito como Interlagos ou Montréal com um acesso daqueles. Está certo que o nosso autódromo José Carlos Pace tem entradas problemáticas, mas são várias, pelo menos. Em Mont-Tremblant, só a tal estrada de terra.

Com a entrada fechada, é lógico que eu pulei para ingressar no circuito, já que eu tinha vindo de muito longe, sabia que qualquer um entenderia. Só estava com medo de huskies siberianos ou cachorros são-bernardo me atacarem pela invasão. Para minha sorte, não havia rigorosamente ninguém cuidando do circuito. Nenhuma alma penada.

Daí, fiz a festa, enquanto um amigo belga do albergue (não é trocadilho) me esperava lá fora. Pela primeira vez, tive contato com um cenário diferente do automobilismo. Feito em uma cidade minúscula e no meio da montanha, longe de tudo (a coisa mais perto é Montréal), você nota que a preocupação com o mundo "profissional" da F-1 e do automobilismo em geral é nula.


Um circuito pequeno, uma pista ajeitadinha. Apertada, porém. Ficava imaginando Jackie Stewart, Jochen Rindt, Graham Hill, Denny Hulme e John Surtees, entre outros, acelerando seus bólidos em uma época diferente da F-1. Uma época em que se corria onde era possível. Não pretendo ser saudosista a respeito desses tempos. Mas fica pela constatação do que se tornou um palco de corridas de Grande Prêmio há 40 anos.
A torre de controle, o tal do hospitality center, é tudo no mesmo lugar, aparentemente. Pequeno, mas acho que conseguem fazer tudo caber lá. Afinal, quase nunca o autódromo, reformado recentemente, sedia corridas. A ambulância também estava lá parada, sem ninguém para cuidar.

No meio do traçado, uma construção com os dizeres "Jim Russel Internacional Racing Drivers School". Fiquei pensando que, em uma cidade com 8 mil habitantes, localizada em uma região de população pequena, quantos gostariam de ter aulas com o ilustre Jim Russel. Creio que poucos. Não é à toa que a construção já estava completamente desgastada. Se fosse no Brasil, diriam que está criando dengue. Também me chamou a atenção o nome em inglês, raro em terras franco-canadenses.

O que deixo para o final, no entanto, é o maravilhoso cenário. Um circuito com uma montanha ao fundo, coberta pelo gelo. A pista com nada menos do que rochas em áreas de escape. Um traçado com freqüentes subidas e descidas em meio à montanha.



Me senti em um museu no Circuit Mont-Tremblant. Para alguns, podia ser triste e melancólico. Mas, para falar a verdade, fiquei honrado em conhecer um local que tem história no automobilismo, por mais distante que seja da realidade atual do esporte.

Afinal, por menor que seja a história de Mont-Tremblant na F-1 (e contando todas as suas limitações atuais), o circuito está lá de pé. Jacarepaguá, em uma cidade com 6 milhões de habitantes e com muito mais história na principal categoria do automobilismo, está destruído.

Isso sim é melancólico e triste.


PS: Estive no Rio de Janeiro em novembro de 2006, para cobrir uma etapa da Stock Car em Jacarepaguá pelo Grande Prêmio. O mato cobrindo boa parte do autódromo e o descuido para com o mesmo demonstrava o real "interesse" de a prefeitura preservar o templo. Que, naquela época, já estava destruído para a construção de sedes dos Jogos Pan-Americanos. Parece um fazendão, como mostram as fotos que eu tirei.



PS 2: Escalei uma montanha em Mont-Tremblant nesse mesmo dia (não aquela) e fiquei maravilhado com a beleza do local. Com certeza, esse visual ficará na minha memória em toda a minha vida. A minha foto de boina, que ilustra esse blog, é desse dia.



PS 3: Esse é o quão perto eu cheguei do gigante Mont-Tremblant, após a cansativa escalada.

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal essa sua iniciativa, pois no Brasil não pessoas como você, o Ico e o Caprelli que dê tanta enfase a esses pequenos templos do automobilismo mundial. Eu, por exemplo, nunca havia ouvido falar de Mont-Tremblanrt, no Canadá.
Parabéns! É por causa de pessoas como você que nós gostamos ainda mais de automobilismo, conhecendo aqueles por menores mais saudossos no mundo.
E sonbre Jacarepaguá, nosso atual Prefeito se dedidou e muito aos jogos pan-americano. E ele parece que não se liga muito em Formula 1. Se não fosse assim, ele estaria lutando para ter a formula 1 de novo e Jacarepagua, tentndo conservar e modernizar o autodromo.
Abraço a todos.
paulo Santos/RJ

L-A. Pandini disse...

Belo relato, Tuvuca. Merecia uma matéria em revista. Aliás, a F1 Magazine ou a Motorsport tinham uma seção destinada a ruínas ou restos de circuitos desativados.

Abração. (LAP)

Marcelo Tuvuca disse...

Valeu Panda! Não imaginei que rendesse uma matéria, mas bem pensado! Na verdade, depois de conhecer outros autódromos "perdidos" , mesmo Mosport Park, próximo a Toronto, mas era extremamente difícil chegar lá sem carro.
Paulo, valeu pelos elogios também!

Abraços

Speeder76 disse...

Bela história, Marcelo. De facto, Mont Tremblant tem a sua quota parte na história da Formula 1. Afinal de contas, em 1970, foi a primeira prova depois da trágica morte do Jochen Rindt...


Quando fores a Mosport, avisa!

Marcelo Tuvuca disse...

É Speeder, infelizmente não fui a Mosport Park porque não tem como chegar lá a não ser de carro... daí acabei desencanando.

A idéia era essa, conhecer todas as pistas canadenses que fosse possível.

Abs